E se o cérebro humano e a inteligência artificial unissem forças para alcançar avanços sem precedentes? É precisamente isso que a Neuralink, empresa de neurotecnologia cofundada por Elon Musk em 2016, pretende fazer num futuro próximo.

 

Nos últimos anos, a Neuralink tem desenvolvido um chip que poderá ser implantado no cérebro humano e, potencialmente, ajudar a restaurar capacidades como a visão, a função motora e a fala. De acordo com Musk, esta tecnologia também poderá ser utilizada para alcançar a telepatia humana e o controlo sobre as memórias.


Em maio de 2023, foi atingido um marco importante, uma vez que a empresa recebeu a aprovação da Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos para lançar o seu primeiro estudo clínico em humanos.


Intrigado? Aqui estão todos os detalhes que precisa de conhecer sobre os planos da Neuralink para o futuro e os potenciais impactos nas nossas vidas.

 

O trabalho da Neuralink

O futuro vai ser estranho”, disse Elon Musk, em 2020, ao prever como a sua empresa de neurotecnologia poderia moldar o futuro. De facto, a Neuralink tem vindo a desbravar terreno ao desenvolver uma tecnologia de implante cerebral – oficialmente conhecida como Interface Cérebro-Computador (ICC) – que poderá ter um impacto significativo na saúde humana.


Esta ICC - já testada em macacos - seria implantada no cérebro humano para descodificar a atividade cerebral e comunicá-la a computadores. Por outras palavras, permitiria que a informação cerebral fosse descarregada e, se necessário, restaurada.


O objetivo inicial é utilizá-la para fins médicos, tais como:

Contudo, o objetivo final é fundir a consciência humana e a inteligência artificial a um nível mais profundo, ao:

  • alcançar a telepatia humana;
  • desenvolver a capacidade de guardar, reproduzir e restaurar memórias;
  • dotar as pessoas de “super visão”;
  • entre outros.

 

A tecnologia subjacente

Existem 2 equipamentos em desenvolvimento por parte da Neuralink:

1) Chip/implante

O implante N1 mede 23 mm x 8 mm (aproximadamente o tamanho de uma moeda) e possui 1024 elétrodos distribuídos por 64 fios. Estes fios ultrafinos são responsáveis pela ligação ao cérebro humano e pelo processamento dos sinais neurológicos.
Depois, estes sinais são transmitidos via Bluetooth para a aplicação Neuralink, que descodifica a informação.
O chip também é descrito como cosmeticamente invisível e hermeticamente fechado num invólucro biocompatível que resiste a condições fisiológicas muito mais severas do que as do corpo humano. Além disso, é alimentado por uma pequena bateria carregada por wireless.
Em termos técnicos, a Neuralink utiliza C++ e Python como principais linguagens de programação.

 

2) Robô cirúrgico

Precisamente porque os fios que ligam o chip ao cérebro humano são tão finos – cerca de 20 vezes mais finos do que um fio de cabelo humano -, não é possível que uma mão humana os insira com sucesso. Por isso, a Neuralink está a criar um robô que consegue realizar esse procedimento cirúrgico de forma eficiente – envolve a abertura do escalpe, a remoção de uma parte do crânio, a inserção dos elétrodos e dos fios no sítio correto, e o fecho da incisão. Tudo isto enquanto evita o contacto com vasos sanguíneos para prevenir hemorragias.

 

Tecnologicamente possível, ou ficção científica?

As opiniões divergem, mas segundo o especialista da Alter Solutions Leonardo Silva as ambições da Neuralink podem muito bem concretizar-se. No entanto, ainda são necessários abastante desenvolvimento e inovação antes desses avanços. 


“Pensamos que estamos a viver numa época em que já nada nos surpreende. No entanto, o projeto altamente ambicioso da Neuralink faz-nos reviver sonhos de criança, como mover objetos com a força do pensamento ou até mesmo comunicarmos telepaticamente com outras pessoas. Na minha humilde opinião, este é o primeiro passo para a evolução em várias áreas”, afirma.


Em termos tecnológicos, há várias barreiras a ultrapassar. “Os desafios são imensos, incluindo o desenvolvimento de interfaces, linguagens de máquina e integrações de dispositivos. Além disso, os desafios de software serão fundamentais. Ou seja, será necessário inventar formas de desenvolvimento que ainda não existem para atender a tantas necessidades", afirma o especialista em desenvolvimento de software.


Com mais de 16 anos de experiência, Leonardo Silva acredita que o uso das principais linguagens de programação e bibliotecas servirá de suporte ao trabalho da Neuralink ao longo do caminho. “O uso de linguagens robustas como Python, C++ e até mesmo Rust oferecem suporte para um desenvolvimento seguro e eficiente. Especialmente o Python, amplamente utilizado para interações homem-máquina, possui bibliotecas que facilitam essas interações, além de recursos de processamento de sinais e análise de dados para interpretar informações captadas por sensores. Além disso, bibliotecas populares como TensorFlow e Keras oferecem recursos poderosos para o desenvolvimento de modelos de machine learning.”


Considerando todos estes fatores, Leonardo considera que “ainda temos, pelo menos, 10 anos pela frente até que uma tecnologia tão avançada possa existir – o que, considerando a sua complexidade, é um tempo relativamente curto”. “Teremos certamente de lidar com várias questões éticas e promover discussões com a sociedade, mas os avanços são indiscutivelmente incríveis", reconhece.


É justamente sobre as questões éticas e de segurança que falaremos de seguida.

 

Desafios de (ciber)segurança

Quando a Neuralink comunicou pela primeira vez as suas intenções, foram levantadas várias questões éticas e de segurança: estaríamos a conceder acesso total aos nossos cérebros? O que poderia acontecer se um cérebro humano fosse hackeado? Onde definimos o limite no que toca à privacidade de uma pessoa?


É aqui que a cibersegurança se cruza com a neuroética. “Este é um caminho para tornar o cérebro humano num ‘dispositivo conectável’, para o tornar parte do mundo da Internet das Coisas (IoT). Como qualquer outra IoT, pode trazer uma série de funcionalidades interessantes e poderosas que fazem avançar a ciência e a qualidade de vida em geral. Por outro lado, o facto de os cérebros serem dispositivos conectáveis envolve um risco de comprometimento da cibersegurança", assinala Nabil Diab, Head of Cybersecurity da Alter Solutions.


Mas quais são exatamente os riscos deste tipo de exposição? Nabil aponta três cenários pessimistas:

  • Controlo remoto do cérebro por parte de um hacker: “Será que isto faria de si um robô controlado por outra pessoa?”, questiona o especialista.
  • Fugas e perda de dados cerebrais: “Quer saber o que pensa o seu inimigo? Basta infiltrar-se no seu implante cerebral”;
  • Alteração de dados cerebrais: “E se o implante tiver um ‘acesso de edição’ para a informação do cérebro? Talvez possamos modificá-la ou simplesmente apagá-la!”.


Por enquanto, enquanto a tecnologia ainda está a ser desenvolvida, o especialista em cibersegurança da Alter acredita que devemos ter em consideração todos os riscos da sua utilização. Tal como deveríamos ter feito com tecnologias anteriores. “Introduzimos os drones há uma década como um objeto que nos daria a capacidade de captar as fotografias mais incríveis com que alguma vez sonhámos, mas agora também é utilizado (e muito) para lançar bombas em campos de batalha. Por isso, esta tecnologia introduzida para fins médicos será certamente utilizada por militares e serviços de inteligência. Muita investigação sobre cibersegurança ofensiva será feita nessa área, pelo que já podemos prever muitas ameaças à cibersegurança", afirma Nabil.


“Como qualquer objeto conectável, se esta tecnologia vir a luz do dia será hackeada e isso terá um impacto. E quanto mais poderoso for o objeto conectável, mais avançada será a ameaça”, conclui.

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